Sou natural do centro de Lisboa e moro há dez anos na margem sul, junto à Aroeira.
Licenciada em Comunicação Empresarial pelo Instituto Superior de Comunicação Empresarial, pode contar como surgiu o jornalismo desportivo na sua carreira?
Na altura, a faculdade dispunha de um protocolo com a RTP, dado que tinham dois ou três professores que inclusive eram jornalistas da RTP, como a Judite de Sousa, o Paulo Fidalgo.
No âmbito desse protocolo tínhamos estágios no segundo, terceiro e quarto anos. Os estágios eram de durações diferentes para estabelecermos contatos com o mundo real, o mundo do trabalho, nas mais diversas valências.
No último ano, o estágio era a tempo inteiro, com seis meses de duração e com as aulas à noite.
Para mim, não fazia sentido ir para o mundo empresarial fazer acessoria de imprensa sem saber como funcionava uma redação. Então, aí decidi, que fazia todo o sentido fazer um estágio numa redação. Candidatei-me a um estágio para a RTP em 1995. Então, como se diz no mundo do futebol, há uma frase muito célebre, que é: estávamos à beira do abismo e demos um passo em frente. Foi isso que eu fiz.
Desde então o ''bichinho'', o ''gosto'' nunca mais saiu. Apesar de não ter formação de origem no jornalismo, não sou da área de Comunicação Social, acho que para se ser um bom jornalista acima de tudo tem de se ter ''gosto'', mais até do que a formação académica.
Qual foi a sua primeira experiência no jornalismo desportivo?
Em 1998, houve uma reestruturação na RTP. Deu-se um concurso público, para as pessoas entrarem para o quadro, porque é uma empresa pública. No âmbito desse concurso tinha que haver um período de formação, um período de estágio. Tivemos que trocar de equipas, pois consideravam que os nossos atuais chefes não eram as pessoas indicadas para nos classificarem. Foi aí que fui para o Desporto.
A determinado ponto, estávamos em abril e a União de Leiria, na altura treinada pelo Vítor Oliveira, ia jogar com o Boavista, que à época era o super Boavista. Era necessário alguém ir a Leiria e eu fui a escolhida.
De alguém que goste minimamente de desporto, ainda é possível saber os nomes dos principais jogadores de futebol das equipas como o Benfica, o Porto, mas o plantel do União de Leiria eu desconhecia. De notar que na altura não havia internet. Não era possível ir pesquisar ao zerozero ou ao Mais Futebol. Então retirava-se fotocópias, das revistas do início do ano, como A Bola e o Record com as fotografias dos jogadores.
O mister Vítor Oliveira ajudou-me imenso. Fui honesta com ele e disse-lhe, ''eu não percebo nada disto, eu caí aqui hoje de páraquedas''. Então ele disse-me para ir o relvado enquanto dava o treino e que me tirava todas as dúvidas.
Na altura os desafios iam surguindo, principalmente porque à época não haviam muitas mulheres ligadas ao Desporto. Então percebi que havia ali uma oportunidade.
Como lida trabalhar neste mundo ainda muito ligado aos homens? Houve alguma forma de olhares, por exemplo?
Ainda hoje há, o Jorge Jesus responde ''torto'' à Rita Latas da Sport TV, ou seja, não sejamos ingénuos. A questão tem a ver com uma coisa que na altura existia muito. De alguma forma estávamos protegidas porque existiam temas, assuntos ou momentos que eram dedicados aos homens.
Em 1998, eu nunca iria fazer uma reportagem de pista de um jogo de futebol. Só fiz isso anos mais tarde. Faziam-se os resumos, na altura só com uma câmara, a Campo Maior, onde perdia-se um dia. Íamos para os pavilhões, onde fiz muita reportagem de pista nas modalidades, quer de hóquei em patins e andebol. Aí, o impacto mediático é outro, não tem nada a ver com o futebol.
De alguma forma, os grandes eventos eram para os meninos. As idas aos Jogos Olímpicos, aos Campeonatos da Europa, ao Campeonatos do Mundo. Eu nunca fui ao estrangeiro pela RTP, sendo que estive lá dez anos, até 2006.
As oportunidades não eram de facto iguais, mas estava mais protegida porque não estava exposta nos grandes acontecimentos e assim, era mais díficil de correr mal.
E, havia uma coisa muito gira na altura. Quando havia potencial de dar confusão, como aconteceu num verão quente no Estádio da Luz quando Vale e Azevedo despede João Pinto, nessa altura mandavam-se para lá as mulheres. O princípio era, eles nas raparigas não vão bater. Quando era para brilhar, os eventos que interessavam, estavam lá os homens.
Em 2004, eu estava na RTP, quando houve o Campeonato da Europa e eu não fiz nenhuma reportagem de pista. Eu não estava no desporto há dois dias. Havia gente há muito menos tempo do que eu que teve outras oportunidades. Eu não fiz Portugal, isso era para os meninos. Eu fiquei com a Itália, na primeira fase de grupos, eu fazia todos os dias a Seleção Italiana. Foi um grande espanto para o selecionador da Itália, o senhor Trapattoni, quando me via na primeira fila nas conferências de imprensa.
Ainda neste século era uma coisa rara de se ver.
Concordo consigo, quando afirma que existe em Portugal uma cultura clubística e não uma cultura desportiva. O que pode comentar mais sobre isso?
Acima de tudo é uma questão cultural. Em Inglaterra, vemos o Manchester City e o Manchester United com uma enorme rivalidade, mas eles levantam-se e aplaudem o adversário.
Nós em Portugal, temos problemas quando jogadores trocam de clube. O Paulinho veio para o Sporting porque estava no Sporting Clube de Braga. Se fosse do Porto, o Paulinho não iria para o Sporting.
Na altura do ataque à Academia do Sporting muito se falou que o Benfica poderia ir buscar ao Sporting o Bruno Fernandes. O Bruno Fernandes jamais faria isso. As pessoas temem pelas casas pintadas, pela privacidade da família. Podemos questionar a arbitragem, o investimento que o Benfica fez ao contratar o Jorge Jesus, mas não podemos ameaçar as pessoas de morte. Isto é um jogo.
O que a fez voltar para a TVI, no momento que ainda estamos a passar, esta pandemia?
Na altura, o Sérgio Figueiredo era o diretor de informação da TVI, convidou-me e convence-me a voltar. Entretanto quando regressei o mundo parou, o futebol parou, entretanto não ia haver campeonato da Europa por culpa da pandemia.
Como é trabalhar com o Pedro Ribeiro, o Pedro Henriques, Nuno Gomes e com toda a equipa do Mais Futebol?
Só é possível porque nós somos verdadeiramente amigos e há muito tempo. Já conheço o Pedro Ribeiro desde 1995, já vimos os filhos crescer. Acima de tudo, identifico-me com ele, na nossa forma de ver o futebol, ou seja, o futebol é só um jogo. Qualquer que seja o clube, é só um jogo. Com o resto da equipa, esta tipologia de encarar o futebol é igual.
Como costuma ser a sua rotina?
Há uma vida antes e depois da pandemia. Até 2019, eu tinha uma rotina cheia. Era diretora da SAD do Mais Futebol, editora de Desporto da TVI. Neste momento é totalmente diferente porque eu tenho um filho com seis anos. É toda uma vida nova.
Já praticou algum desporto?
Quando era miúda fiz tudo e mais alguma coisa. Fiz ginástica, fiz andebol, fiz voleibol, uma série de coisas. Gosto de fazer exercício, percorrer 30/40km de bicicleta e ir ao ginásio.
Qual o momento que mais a marcou na sua profissão?
Para mim e para o Pedro Ribeiro, foi muito complicado o programa depois da morte do Vítor Oliveira. Não nos fazia sentido ser um programa normal. Tinha de ser um programa de homenagem, assim como o mundo do futebol, os clubes o fizeram. Foi um programa muito duro. Era para mim uma pessoa muito especial e com quem tinha uma relação de carinho de há muitos anos. Desde 1998, não são propriamente dois dias.
Tive outro momento marcante, foi no Mais Futebol em que me emocionei bastante quando foi publicado um livro sobre Robert Enke, que foi guarda-redes do Benfica. Trata a questão do suicídio, da depressão na alta competição.
Quais os conselhos que dá às jovens que pretendam ser jornalistas desportivas?
O conselho que posso dar é mais a nível pessoal. A vida de uma mulher que queira ser jornalista desportiva é muito dura. Os jogos são à noite, maioritariamente, são fim de semana, e enquanto temos 20 ou 30 anos e não temos filhos está tudo bem mas a partir de uma determinada altura, em que tenhamos uma vida familiar é muito complicado.
Temos de ter um bom suporte familiar, um pai e marido que divide connosco as tarefas. Quando uma mulher quer escolher o jornalismo desportivo tem de perceber que tem de escolher, não é a profissão, mas sim o marido. Os filhos não estão à frente de ninguém, eu dava a vida pelo meu filho, mas eu para ter a profissão que tenho o meu marido é uma pessoa muito importante na minha vida. Também não são todos os homens que aceitam muito bem que num jantar entre amigos a mulher saiba melhor quem são os melhores reforços do Benfica, do Porto ou so Sporting, do que eles.
Qual é a sua comida favorita?
Bacalhau à Brás do Avillez.
Fotografias: Instagram Cláudia Lopes e Pedro Ribeiro